Os gaviões reais estão perdendo a luta para alimentar seus filhotes no Brasil
Forte desmatamento, avanço da presença humana acompanhado de grandes áreas de pasto e plantio e escassez de comida. Estes são alguns dos motivos para o sumiço do gavião real, cada vez mais raro de se ver no Brasil. De acordo com estudo publicado hoje na revista Scientific Reports, regiões com mais de 50 por cento de sua área desmatada não favorecem a reprodução das Harpia harpyja, nome científico dado a essas aves de rapina. E essa situação já é realidade em mais de um terço do norte do Mato Grosso.
Everton Miranda e seus colegas, autores do estudo, estimam que, de 1985 para cá, 3256 casais reprodutores deixaram de existir na região. Com isso, essa águia, que já foi comum em vastas extensões da América do Sul e Central, está hoje restrita à Amazônia e seu futuro é cada vez mais incerto porque está faltando comida para alimento próprio e dos filhotes.
Em sua análise, os pesquisadores descobriram que as harpias se alimentam de presas que vivem na copa das árvores, como bichos-preguiça e macacos-prego marrons e macacos lanudos cinzas e, com a agressiva derrubada dessas árvores, essas águias estão simplesmente morrendo de fome. Isso foi constatado em paisagens que perderam de 50 a 70 por cento de suas matas. Em áreas com desmatamento ainda maior, acima de 70 por cento, nenhum ninho de harpia foi encontrado.
Com o desmatamento, ficou cada vez mais difícil localizar as presas habituais. Quando as encontram, elas são de menor peso. Além disso, os gaviões reais não substituíram as presas tradicionais por outras. O jeito foi abandonar os ninhos e avançar cada vez mais para dentro da Amazônia, onde atualmente estão 93 por cento da população da espécie no Brasil. Os outros 7 por cento estão em regiões como a América Central e algumas áreas florestais do Cerrado e da Mata Atlântica. No entanto, nem na Amazônia essa águia está protegida, porque ela constrói seu ninho nas árvores mais altas, justamente as que estão na mira dos madeireiros.
Miranda é membro da Comissão de Sobrevivência de Espécies da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN). Mestre em Ecologia e Conservação da Biodiversidade pela Universidade Federal do Mato Grosso, o especialista em predadores já lecionou Engenharia Florestal na Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). Hoje, atua no Centre for Functional Biodiversity, School of Life Sciences, da Universidade de KwaZulu-Natal, na África do Sul. Sempre quis saber mais sobre a harpia, a maior águia da Terra e também a mais pesada. Em voo, com as asas bem abertas, esse gigante dos ares, que pode pesar 12 quilos, chega a ter 2,5 metros de envergadura.
De acordo com Miranda, o restabelecimento das condições para a sobrevivência da harpia depende urgentemente de ações voltadas para a conservação das florestas. Como exemplo, cita a Serra do Mar, no estado de São Paulo, com razoáveis extensões florestais conservadas. “Nessas áreas da Mata Atlântica já não há registro de harpias há muitos anos, embora ainda haja abundância das suas presas. Seria um bom lugar para reintroduzir a espécie”, comenta.
Imagem em destaque: Águia harpia (ou gavião real) empoleirada. Sul da floresta amazônica. Crédito: Lailson Marques