Romance de Balzac retrata os tipos de vida provinciana na França do século 19
Agudo intérprete de seu tempo, Honoré de Balzac (1799-1850) encontra-se no panteão dedicado aos grandes escritores da humanidade. Como parte do cânon da literatura universal, o escritor francês publicou seu romance de costumes Eugénie Grandet, pela primeira vez, em setembro de 1833, no semanário L’Europe littéraire, com o subtítulo histoire de province, ou história de província. O texto integra seu magnum opus, A comédia humana, reunião de quase uma centena de suas obras, marcadas pelo realismo literário. Dotado de extraordinário poder de observação, Balzac descreve em detalhes os aspectos da realidade surgente, a conformação do homem burguês, as formas de ascensão do capitalismo e a dissolução dos laços sociais tradicionais.
O romance transcorre em Saumur, cidade do Oeste francês. Félix Grandet, antigo tanoeiro e ex-prefeito da cidade, acumula fortuna considerável graças ao dote de casamento e à especulação financeira em tempos de instabilidade econômica. Homem mesquinho, o senhor Grandet esconde de todos a extensão de seu patrimônio, submetendo a família a uma vida de privação forçada. A fortuna estimada dos Grandet, entretanto, excita a cobiça de duas influentes famílias da cidade, os Cruchot e os Des Grassins, que disputam a mão e, acima de tudo, o dote da filha Eugénie, única herdeira dos pais. Tudo muda quando o refinado parisiense Charles, primo de Eugénie, chega à pequena cidade.
Eugénie Grandet é um romance com composição balzaquiana modelar: a exposição inicial é lenta, apoiada por regressões frequentes, destinadas a confrontar e explicar passado e presente da narrativa (o que nos esclarece, por exemplo, a ascensão social e financeira de Félix Grandet); a parte central da trama caracteriza-se pelo aumento da tensão dramática, com a contenda aparentemente insolúvel entre Eugénie e seu pai, amplificada por uma série de pequenos acontecimentos; e a sequência final transcorre de modo dinâmico, com o desenlace dos conflitos de cada personagem.
É expressivo o modo como Balzac inaugura em Eugénie Grandet a descrição de costumes, atores e espaços da vida provinciana. A cidade do interior aparece como lugar de segredos e conspirações, com personagens ora previsíveis ora difíceis de decifrar, mas todos singulares em sua caracterização e presos a laços familiares ou a intrigas entre clãs que os envolvem. Embora a maior parte do enredo se passe em Saumur, a história insinua a intrincada relação entre província e capital: a chegada do parisiense Charles ao ambiente provinciano é o elemento perturbador fundamental da trama. Nesse sentido, Balzac usa o espaço lento da pequena cidade, cheia de silêncios e incógnitas, sinais e detalhes, como recurso específico para configurar determinadas mentalidades, artifício próprio da estética realista tal como Balzac praticou e fomentou, e que não deve passar despercebido ao leitor.
Foto – França Século 19 – Hotel_Dieux. Ao fundo, Catedral de Notre Dame – Dittrick Museum