Conferência mundial discute como romper cerco digital à liberdade de imprensa
De hoje a 5 de maio de 2022, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e a República do Uruguai sediam, na cidade de Punta Del Este, a Conferência Global anual do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. O evento, que acontece em formato híbrido, discute o impacto da era digital na liberdade de expressão, na segurança dos jornalistas, no acesso à informação e na privacidade. Sob o tema “Jornalismo sob o Cerco Digital”, a conferência reúne jornalistas, representantes da mídia, formuladores de políticas, ativistas, gerentes de segurança cibernética e especialistas jurídicos para explorar essas questões e chegar a soluções concretas para enfrentar as ameaças representadas pelo aumento da vigilância à liberdade e à privacidade de imprensa. O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa é comemorado todo dia 3 de maio.
Opressão e censura digital
O secretário-geral das Nações Unidas, Antônio Guterres, falou do desafio que o crescimento da digitalização impõe à imprensa. Para ele, o avanço da tecnologia digital, embora por um lado contribua para a democratização no acesso à informação, também facilita a censura e cria novos canais para opressão e abuso, além de aumentar o risco de assédio e violência.
Guterres destacou que a tecnologia digital torna a censura ainda mais fácil. Muitos jornalistas e editores em todo o mundo correm o risco constante de os seus programas e reportagens serem retirados da internet. E a tecnologia digital cria novos canais para opressão e abuso. As jornalistas, por exemplo, correm um risco particular de assédio e violência online. Um levantamento, citado por ele, indica que quase três em cada quatro profissionais sofreram violência on-line.
Para Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, “o trabalho dos jornalistas em expor atrocidades é mais crucial do que nunca”. Ela participou do evento a partir de Genebra, na Suíça, ao lado de Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitry Muratov, da Rússia, jornalistas ganhadores do Prêmio Nobel da Paz 2021. Bachelet citou casos de jornalistas assassinados ao redor do mundo. De acordo com a Unesco, foram 55 profissionais mortos no ano passado, sendo que a impunidade permanece: 87% dos crimes ocorridos desde 2006 ainda não foram elucidados. Somente desde o fim de fevereiro, 12 jornalistas já foram assassinados nos ataques da Rússia à Ucrânia.
No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, Michelle Bachelet falou também sobre o uso de softwares espiões como Pegasus e Candiru, que segundo ela, “são uma afronta ao direito à privacidade e uma obstrução à liberdade de expressão.”
A alta comissária afirmou que o Pegasus é usado em pelo menos 45 países, na maior parte das vezes de forma secreta. Bachelet afirma que essas nações estão falhando para com os jornalistas ao forçar o uso desses sistemas e por isso, ela já pediu uma moratória na utilização desses programas.
A alta comissária para os Direitos Humanos ressaltou a importância de se promover uma imprensa livre e independente e, assim, combater a desinformação, construir confiança pública e proteger os direitos humanos.
Premiação
Durante o evento, a Associação Bielorrussa de Jornalistas (BAJ) recebe o prêmio mundial de liberdade de imprensa UNESCO/Guillermo Cano 2022, outorgado por um júri internacional de profissionais de mídia.
A BAJ foi formada em 1995 como uma associação não governamental de trabalhadores da mídia com o objetivo de promover a liberdade de expressão e o jornalismo independente na Bielorrússia. Reúne mais de 1300 jornalistas associados e é membro da Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) e da Federação Europeia de Jornalistas (EFJ).
Em agosto de 2021, após a incursão da polícia em seus escritórios na Bielorrússia, o Supremo Tribunal da Bielorrússia ordenou a dissolução da organização, a pedido do Ministério da Justiça do país.
Sobre o Prêmio
O prêmio de US$ 25.000 reconhece contribuições extraordinárias para a defesa ou promoção da liberdade de imprensa, especialmente diante do perigo. Recebe o nome de Guillermo Cano Isaza, jornalista colombiano assassinado em frente à sede de seu jornal El Espectador em Bogotá, Colômbia, em 17 de dezembro de 1986. É financiado pela Fundação Guillermo Cano Isaza (Colômbia), Helsingin Sanomat Foundation (Finlândia), Namibia Media Trust, Democracy & Media Foundation Stichting Democratie & Media (Holanda) e Thomson Reuters Foundation.
Jornalismo, um bem público
No dia 3, Audrey Azoulay, diretora geral da UNESCO, transmite a seguinte mensagem sobre o papel do jornalismo no fornecimento à sociedade de informações confiáveis e o assédio que esses profissionais vêm sofrendo em sua missão de noticiar livremente o que impacta a vida da humanidade no planeta. Eis o texto:
Seja no contexto do COVID-19 ou durante a guerra e o conflito, informações confiáveis ??são mais do que necessárias: são vitais. Os jornalistas desempenham um papel essencial no fornecimento dessas informações. Eles avaliam, investigam e divulgam fatos, garantindo que as pessoas possam tomar decisões informadas. O jornalismo é, portanto, um bem público, que devemos defender e apoiar como tal. No entanto, enquanto as Nações Unidas celebram o 10º aniversário de seu Plano de Ação sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade – que a UNESCO se orgulha de liderar -, os jornalistas estão enfrentando um ambiente em rápida evolução.
Como mostra nosso mais recente relatório de Tendências Mundiais em Liberdade de Expressão e Desenvolvimento de Mídia, mais de cinco em cada seis pessoas em todo o mundo vivem em um país que experimentou um declínio na liberdade de imprensa nos últimos cinco anos. Cerca de 400 jornalistas foram mortos durante o mesmo período apenas por fazerem seu trabalho.
As tecnologias digitais estão revolucionando ainda mais esse cenário. Elas permitiram trocas de informações sem precedentes, apoiando o jornalismo além-fronteiras. Agora podemos ver o que acontece em qualquer canto do mundo, a qualquer momento.
Mas essas oportunidades vêm com novos desafios. O advento das plataformas on-line colocou em questão a viabilidade econômica da mídia independente e pluralista, derrubando as cadeias de valor e os modelos de negócios existentes. devido à retenção de dados, spyware e vigilância digital. As manifestações de ódio contra os jornalistas aumentaram, afetando especialmente as mulheres jornalistas. Nossa pesquisa mostra que mais de sete em cada dez mulheres repórteres pesquisadas sofreram violência on-line.
E como poucas dessas tecnologias são regulamentadas de forma transparente e com responsabilidade, os perpetradores da violência operam impunemente, muitas vezes sem deixar rastros. Isso deve acabar. Os avanços tecnológicos precisam ser sustentados pelo respeito à liberdade, privacidade e segurança dos jornalistas. As redes de mídia social devem fazer mais para combater a desinformação desenfreada e o discurso de ódio, enquanto protegem a liberdade de expressão.
A UNESCO está firmemente comprometida com esses objetivos. Para enfrentar os desafios emergentes, a UNESCO apoiou a adoção de uma nova Declaração de Windhoek para a Informação como um Bem Público na era digital, trinta anos após a primeira, na Conferência Mundial de Liberdade de Imprensa do ano passado na Namíbia.
Desde então, a UNESCO vem implementando a Declaração, promovendo novos princípios de transparência para plataformas on-line, realizando pesquisas sobre modelos de negócios de mídia sustentáveis e colocando um novo foco na alfabetização midiática e informacional nos sistemas educacionais. Mas todos devemos fazer mais para enfrentar os riscos e aproveitar as oportunidades da era digital.
Neste Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, convido os Estados membros, as empresas de tecnologia, a comunidade de mídia, bem como o resto da sociedade civil a se unirem para desenvolver uma nova configuração digital – uma que proteja tanto o jornalismo quanto os jornalistas.
Imagem em destaque: Foto ONU – Sylvain Liechti. Grupo de jornalistas em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo.