
Você já imaginou quantas cores o mundo esconde quando nossos olhos estão grudados numa tela?
Essa pergunta, que poderia sair da boca de uma criança curiosa, é o ponto de partida de A menina com os olhos ocupados, livro do premiado ilustrador André Carrilho. Em um mundo onde até piratas, ursos dançantes e naves espaciais passam despercebidos por quem só enxerga pixels, a história nos convida a uma reflexão urgente: o que nos torna humanos se trocamos abraços por likes, conversas por mensagens e descobertas por scroll infinito?
A menina do livro não é vilã — ela é espelho. Seus “olhos ocupados” refletem uma geração que nasceu com um celular na palma da mão, mas também adultos que esqueceram como é ouvir o vento nas folhas ou perder tempo (que não é perdido, mas ganho) observando formigas carregando migalhas. A genialidade da narrativa está em não apontar dedos, mas em desenhar um convite: e se, por um instante, desligássemos as notificações para ligar a curiosidade?
André Carrilho não usa sermões. Usa elefantes que espirram arco-íris, girafas que esticam pescoços para fazer perguntas e um urso que só quer um abraço de verdade. As ilustrações, cheias de detalhes que escapam à menina distraída, são um jogo com o leitor: enquanto ela não vê, nós vemos. E nesse contraste, nasce o incômodo saudável. Quantas girafas reais — na forma de amigos, paisagens ou histórias — deixamos de ver enquanto rolamos a tela sem propósito?
A quebra do celular no final não é um acidente, mas uma libertação. Quando a menina finalmente ergue a cabeça, o mundo não mudou: ela é que voltou a existir nele. E eis aí a mensagem que ecoa em salas de aula e lares: tecnologia é ponte, não ilha. Podemos usá-la para admirar fotos do universo, mas não para deixar de admirar o universo do nosso quintal.
Para os pais e professores que se perguntam “como competir com a hipnose das telas?”, o livro oferece uma pista: não compita, encante. Mostre que uma poça de chuva pode virar oceano para um barquinho de papel. Prove que o tédio é o combustível da criatividade. E, principalmente, lembre que crianças não seguem discursos — seguem exemplos. Que tal começar desbloqueando seu próprio olhar?
Afinal, se até uma menina de papel consegue descobrir um mundo além da tela, imagine o que nós, de carne e osso, podemos encontrar quando desocupamos os olhos…
E você: qual foi a última maravilha “invisível” que seus olhos ocupados quase deixaram passar?