Pesquisa encontra novo alvo para combate à insuficiência cardíaca
O infarto agudo do miocárdio é uma das principais causas de insuficiência cardíaca – doença degenerativa caracterizada pela dificuldade do coração em bombear sangue e associada a sintomas como fadiga, falta de ar, inchaço nas pernas e acúmulo de sangue nos pulmões e em outras partes do corpo. Diferentemente do que se acreditava, pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) descobriram que, nesses casos, a evolução do quadro está diretamente relacionada com modificações no funcionamento do tecido adiposo perivascular – camada de gordura que envolve os vasos sanguíneos.
A pesquisa coordenada pela professora Luciana Venturini Rossoni evidenciou que, após o infarto, o tecido adiposo perivascular perde o seu efeito anticontrátil, o que provoca uma maior contração dos vasos, prejudica a função vascular e piora a evolução da doença.
Resultados do trabalho, que contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), foram descritos em artigo na revista científica Clinical Science(*). Segundo os autores, esse conhecimento pode ajudar na busca por novas terapias e alvos para controle dessa síndrome complexa.
Segundo Rossoni, em entrevista à Assessoria de Comunicação do ICB-USP, já se sabe que na insuficiência cardíaca as grandes artérias, como a aorta, apresentam uma disfunção, contraindo mais e apresentando um prejuízo da função endotelial. Vários sistemas estão envolvidos na fisiopatologia dessa síndrome. Há, por exemplo, uma superativação do sistema renina angiotensina e do sistema nervoso simpático, responsáveis pela regulação cardiovascular. Nos últimos anos, foi descrito que o tecido adiposo perivascular possui, fisiologicamente, os constituintes do sistema renina-angiotensina (ou seja, expressa as proteínas e receptores que integram esse sistema).
Para entender esse mecanismo e analisar o que de fato acontece nos vasos sanguíneos, os pesquisadores fizeram experimentos com modelos animais de insuficiência cardíaca pós-infarto.
“Doze semanas após a cirurgia para induzir um infarto do miocárdio, a gordura perivascular da aorta dos animais perdia o efeito anticontrátil, aumentava a produção de angiotensina 2 [peptídeo envolvido no controle da pressão arterial] e apresentava estresse oxidativo. Essas alterações tornam o modelo mais propenso a ter placas ateroscleróticas e a agravar o quadro”, explica a professora do ICB-USP.
Até então, acreditava-se que a ativação do sistema renina-angiotensina nas artérias de indivíduos com insuficiência cardíaca ocorria primordialmente no endotélio, tecido que reveste o interior dos vasos, e que a disfunção do endotélio era responsável por piorar a condição.
“Essa descoberta muda toda a fisiopatologia da doença, porque agora sabemos que a gordura perivascular é o ponto de ativação desse sistema. É onde ocorre o aumento da atividade da enzima que produz angiotensina 2, que age no vaso gerando estresse oxidativo e redução da biodisponibilidade de óxido nítrico”, afirma Rossoni.
De acordo com a cientista, o trabalho abre perspectivas para novos tratamentos para a insuficiência cardíaca, que é uma doença crônica e progressiva.
Com informações da Agência FAPESP e da Assessoria de Comunicação do ICB-USP
Ilustração em destaque: arte de Lívia Magalhães com imagens de Pixabay/Jornal da USP.
(*) Confira o artigo científico em
Milene Tavares Fontes, Suliana Mesquita Paula, Caroline Antunes Lino, Nathalia Senger, Gisele Kruger Couto, Maria Luiza de Morais Barreto-Chaves, José Geraldo Mill, Luciana Venturini Rossoni; Renin–angiotensin system overactivation in perivascular adipose tissue contributes to vascular dysfunction in heart failure. Clin Sci (Lond) 11 December 2020; 134 (23): 3195–3211. doi: https://doi.org/10.1042/CS20201099